Não raras vezes enquanto corro ou
ando de btt instalam-se músicas na minha cabeça, que me vão acompanhando ao ritmo
dos quilómetros. Desta feita foi o Pó de
arroz, conhecidíssima música de Carlos Paião mas na versão do Tiago Bettencout. Não faço a mínima ideia do porquê de
determinadas músicas me acompanharem ao longo de tantos quilómetros mas não só
não me incomodam, como acabam por me ajudar a impor um ritmo mais certo. Christopher Mcdougall no seu Nascidos para correr (título que aconselho a todos, gostem de corrida ou não) refere
alguém cujos nome e palavras exactas não consigo recordar mas apenas a ideia que
era mais ou menos esta; torna-te amigo da dor e nunca correrás sozinho. No meu
caso (além da dor ocasional) quem me acompanha é a música e talvez por isso quando corro sozinho não me
custe.
Mas desta feita não foi o caso,
corri sempre acompanhado. Primeiro do João e do Germano (para além do já referido
Pó de arroz) e depois só do Germano, mas nunca sozinho.
O dia começou cedo, ainda antes
de amanhecer. A noite apesar de acompanhada por alguma expectativa foi bem
dormida. Vestir, pequeno-almoço pegar no saco e seguir em direcção à Lousã (na
companhia do João) onde 42 quilómetros e um desnível ascendente acumulado de
3500 metros nos esperavam. Pelo menos eram estes os dados da organização.
Eram precisamente esses valores
que me deixavam algo apreensivo. Confesso que a maior distância que havia
corrido até então tinham sido 27 quilómetros com 1400 de acumulado ascendente. Não
sabia portanto como reagiria o meu corpo a partir de determinada distância com
esta bonita soma de ascensões. O objectivo que tinha traçado era o de chegar ao
fim, correr a primeira maratona da minha vida mas neste cenário e com estes
números. Fazer uma alimentação e hidratação correctas (a velha história do
comer antes de ter fome e beber antes de ter sede) e manter um ritmo que me
permitisse passar pelos quilómetros sem arfar era o planeado.
A chegada à Lousã foi rápida. Levantamento
dos dorsais, passagem pelo café e preparativos finais. Entretanto encontro o
Sérgio e os seus colegas de equipa que ao vê-lo nas suas Salomon novas trataram
de o advertir para que não lhes vomitasse em cima. A fama de certas pessoas
precede-as. Ao que parece actualmente o Sérgio desenvolveu uma apurada técnica
que lhe permite expelir o conteúdo estomacal em andamento e na direcção
desejada. É um facto que o hábito faz o monge.
Preparativos mesmo finais e
colocámo-nos na linha de partida. O 3,2,1 lá chegou com alguns minutos de
atraso e o chão começou a passar-nos debaixo dos pés. Os primeiros quilómetros
foram feitos ao longo do rio Ceira ora
de um lado, ora do outro, onde a passagem se fazia através do mesmo devido ao
baixo caudal. Depois corremos durante alguns quilómetros ao longo de uma bonita
levada de água. Foi assim que chegámos ao Candal, bonita e bem arranjada aldeia
de xisto onde nos esperava o primeiro abastecimento ao quilómetro 8. Daqui até
sensivelmente ao quilómetro 13,5 seria sempre a subir. É um facto que o K42
obrigou-me a redefinir a palavra subir. Grande parte desta subida foi feita com
inclinações que variavam entre os 30 e tal e os 56% de declive. Eu sei que
parece muito, mas foram os dados registados pelo meu Forerunner 305, sendo que
mais adiante o declive ainda aumentou.
Apesar de tudo era uma visão incrível,
quer se olhasse para cima ou para baixo ver tanta gente esticada ao longo
daquela encosta. É fácil compreender o que leva tanta gente a aderir ao trail
run. O facto de se encher a vista com imagens inesquecíveis e toda aquela gente
numa comunhão com a natureza e a serra. É um facto que o sofrimento também
estará presente, mas é só lá mais para a frente e só ajuda a converter esses,
em momentos inesquecíveis.
A chegada aos poços na neve,
fez-se na companhia do João e do Germano, bem como a descida até ao Coentral. A
descida revelou-se bem mais complicada e penosa que a subida (pelo menos para
mim). No Coentral estávamos no quilómetro 19 e no segundo abastecimento. A partir
daqui esperava uma segunda parte do percurso menos complicada que nos
permitisse aumentar um pouco a média. Não podia estar mais enganado.
Ao quilómetro 12 íamos
sensivelmente com 2 horas de corrida. Neste ponto disse ao João –vamos ver como
estamos de quilómetros nas próximas 2 horas. Ao quilómetro 21,5 o nosso tempo
de corrida era 3 horas e 10. Faltavam-nos apenas 2,5 quilómetros para os 24. Iríamos
superar em muito o andamento das primeiras 2 horas e chegar ao terceiro
abastecimento no quilómetro 29 dentro das 4 horas. Mais uma vez não poderia
estar mais enganado. Levámos uma hora para fazer 3,5 quilómetros. Para isso contribuíram
um par de subidas e descidas como eu nunca tinha visto. Passámos dos 1022
metros para os 756 em apenas 600 metros de descida. O declive maior verificado
foi de -65%.
O terceiro abastecimento no
Talasnal ao quilómetro 29 chegou ao mesmo tempo que as primeiras cãibras do
João que o obrigariam a diminuir o andamento. Começamos a perde-lo de vista na
descida do Talasnal e perdemo-lo de vez na subida subsequente.
Ao quilómetro 32 começou a
doer-me o adutor do lado esquerdo o que me dificultava um pouco a corrida, mas
tão perto do fim, não iria ser isso que me impediria de terminar. O Germano
também se via com algumas cãibras à porta que ameaçavam entrar a qualquer
momento. Foi desta forma que fizemos os quilómetros que nos separavam do último
abastecimento ao quilómetro 36. Ainda assim ultrapassámos alguns companheiros
de jornada. Daí até ao fim seria sempre a descer, mas nesta altura já não
esperava uma “descida normal”. Desta vez não me enganei (infelizmente). A descida
foi feita pelas pistas de downhill da Lousã. Mais uma vez muito técnica a puxar
muito pelos músculos já algo debilitados. Depois ainda corremos uns 2
quilómetros em estradão e quando faltavam 1800 metros para o final, ainda nos
esperava mais um rebuçado com uns declives jeitosos. A Lousã já se avistava lá
ao fundo, mas parecia nunca mais se aproximar. O quilómetro que nos levaria à
meta foi feito a bom ritmo e como disse o Germano, -agora nem que fosse a
rebolar. Lá chegámos lado a lado após 43,9 quilómetros, 3981 metros de
acumulado ascendente e 7 horas e 6 minutos de corrida (dados do meu forerunner
305).
Como disse o Germano, podíamos
ter ganho 15 minutos nos abastecimentos fazendo paragens mais rápidas, mas
desta vez o objectivo não era esse (o meu pelo menos) mas para a próxima é um
ponto a rever e a mudar concerteza.
O João chegaria mais tarde tendo
ficado pelo quilómetro 36. As cãibras impediram-no de continuar, mas para
primeira participação apanhando um percurso destes, foi excelente.
Continuo a gostar cada vez mais
disto. Continuo a ficar impressionado quando alguém que está a competir para o
campeonato, pára, perde tempo e talvez lugares para ajudar quem precisa, como
aconteceu. Revejo-me bastante neste espírito.
Quanto à organização a Go-Outdoor,
mais uma vez achei exemplar. A simpatia com que recebem os participantes, faz
com que nos sintamos em casa e num ambiente familiar. Para o ano espero fazer o
circuito todo, e depois logo se vê.
Agora é tempo de voltar à bicicleta
porque para o fim do mês irei até Moimenta da Beira para um fim-de-semana de
btt com alguns daqueles verdadeiros amigos. Por agora vou-me manter pela praia,
a aproveitar as férias e o tempo excelente que está.
(As fotos utilizadas são do Sérgio Azenha e do Bruno Batista)
4 comentários:
Muito bom!
Continuação de bons momentos...
Abraço
Grande Pedro!! .... és mesmo avariado!!!! oAbraço !
Ganda Mákina! 41 km's é obra ainda para mais em todo terreno, cuidado com as entorces:)
abraço
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